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Ensino de história, direitos humanos e a perspectiva da BNCC.
 

Em relação a maneira como os direitos humanos aparecem na BNCC, principalmente em relação ao ensino de história e à área das Ciências Humanas e suas tecnologias, destacamos que logo nos trechos iniciais, mais especificamente em sua introdução, a BNCC esclarece que, entre os documentos fundamentais que a embasam, previstos como políticas de Estado no Brasil, estão as Diretrizes Nacionais Para a Educação em Direitos Humanos (2017).

Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a “educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (BRASIL, 2013)3, mostrando-se também alinhada à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU)4. (Brasil, 2018, p.8)

 

As diretrizes, por sua vez, trazem em seu texto a concepção norteadora do que compreendem estes direitos, que deve dar embasamento a toda política de estabelecimento da educação em direitos humanos no Brasil. Esse delineamento dos direitos humanos defende que:

"Os Direitos Humanos são frutos da luta pelo reconhecimento, realização e universalização da dignidade humana. Histórica e socialmente construídos, dizem respeito a um processo em constante elaboração, ampliando o reconhecimento de direitos face às transformações ocorridas nos diferentes contextos sociais, históricos e políticos. Nesse processo, a educação vem sendo entendida como uma das mediações fundamentais tanto para o acesso ao legado histórico dos Direitos Humanos, quanto para a compreensão de que a cultura dos Direitos Humanos é um dos alicerces para a mudança social. Assim sendo, a educação é reconhecida como um dos Direitos Humanos e a Educação em Direitos Humanos é parte fundamental do conjunto desses direitos, inclusive do próprio direito à educação."

(Brasil, 2013, p.1)

A educação é evidenciada enquanto dimensão fundamental para o desenvolvimento de uma consciência destes direitos e o encaminhamento da sociedade em direção ao seu cumprimento. A perspectiva da compreensão histórica desses direitos também é evidenciada neste documento:

 

"Nesse processo, a educação vem sendo entendida como uma das mediações fundamentais tanto para o acesso ao legado histórico dos Direitos Humanos, quanto para a compreensão de que a cultura dos Direitos Humanos é um dos alicerces para a mudança social. Assim sendo, a educação é reconhecida como um dos Direitos Humanos e a Educação em Direitos Humanos é parte fundamental do conjunto desses direitos, inclusive do próprio direito à educação."

(Brasil, 2013, p.2)

Com embasamento nestes princípios, os direitos humanos são destacados em diversos momentos na BNCC, seja diretamente abordado enquanto um tema curricular em si, seja contemplado nas competências e habilidades propostas a partir das últimas reformas da educação, para toda a educação básica.

Porém, para compreendermos o que vem a ser estabelecido a partir da BNCC, precisamos destacar um ponto fundamental, o fato de que a finalidade da educação, segundo o documento, é o desenvolvimento de habilidades e competências. O documento se esforça assim, por definir entre as competências a serem desenvolvidas, os alicerces dados pela DNEDH. Segundo a BNCC, o conceito de habilidades, versa da seguinte forma:

 

"Trata-se, portanto, de maneiras diferentes e intercambiáveis para designar algo comum, ou seja, aquilo que os estudantes devem aprender na Educação Básica, o que inclui tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los."

(Brasil, 2018, p.12)

 

As competências, por sua vez, são conceituadas através da seguinte abordagem:

"Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho."

Brasil, 2018, p.8)

O documento deixa claro quanto ao fato de que o desenvolvimento das habilidades e competências são basicamente o que define de maneira geral e específica, as finalidades últimas da educação no Brasil.

 

"Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC."

(Brasil, 2018, p.13)

Pressupõem-se que, para que o profissional de conta desta finalidade abrangente, torna-se essencial a compreensão plena da condição de cidadania no Brasil, assim como de seus desafios, e disputas envolvidas, o que por sua vez, engloba diretamente, em nosso país,  direitos e deveres que se embasam, principalmente após a constituição de 1988, nos direitos humanos. Outro problema claro e evidente a ser enfrentado, é lidar e mediar a indicação em documento que busca uma universalidade das propostas curriculares em nível nacional, e que busca desenvolver habilidades comuns em todo o Brasil, compreender as habilidades, competências e saberes essenciais a cada uma das localidades onde onde a escola atua, e as necessidades específicas de cada em sua própria realidade social, cultural e material. Essa tarefa é atribuída a cada uma das redes de educação, escolas e sistemas de ensino.

Os direitos humanos constam também entre duas das 10 competências gerais para toda a educação básica definidas pelo documento, como podemos ver abaixo. Sobre o desenvolvimento destas competências gerais o documento esclarece que:

"Ao longo da Educação Básica – na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio –, os alunos devem desenvolver as dez competências gerais da Educação Básica, que pretendem assegurar, como resultado do seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, uma formação humana integral que vise à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

(Brasil, 2018, p.25. )

De maneira implícita, podemos perceber a compreensão de que, por vezes, o documento parece indicar que a formação de uma “sociedade justa, democrática e inclusiva”, passaria, antes de mais nada, pelo desenvolvimento de competências no âmbito individual, alinhado com uma concepção de que a soma das habilidades individuais e competências individuais, resultaria, inevitavelmente, em um sociedade justa e democrática.

Na sequência, as duas competências gerais (para todas as áreas do conhecimento) que fazem referências diretas aos direitos humanos, que são:

Competência 7:

"Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. "

(Brasil, 2018, p.09)

Competência 8:

"Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza."

(Brasil, 2018, p.09)

O documento também destaca, que, em relação à educação básica de nível fundamental…

"[ ... ] tendo por base o compromisso da escola de propiciar uma formação integral, balizada pelos direitos humanos e princípios democráticos, é preciso considerar a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas sociedades contemporâneas, incluindo a violência simbólica de grupos sociais que impõem normas, valores e conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas presentes na comunidade e na escola."

(Brasil, 2018, p.09)

 

O trecho acima traz em si também um grande desafio, considerando as necessidades diversas em cada uma das realidades sociais onde a escola está presente, e seu trabalho frente a necessidade de formar para a vida, para a cidadania e formar para o trabalho. Para o cumprimento de tal compromisso, a escola precisa, essencialmente, possuir um caráter aberto às demandas, as realidades, as necessidades e diversas visões de mundo encontradas em cada uma das localidades e em cada um dos alunos.

Em relação à área de ciências humanas, a BNCC também traz importantes alinhamentos, propondo os direitos humanos como norteadores.

"As Ciências Humanas devem, assim, estimular uma formação ética, elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido de responsabilidade para valorizar: os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum; e, sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais."

Brasil, 2018, p.354)

 

E entre as sete competências específicas dos direitos humanos para o ensino fundamental, algumas destacam os direitos humanos citando-o nomeadamente, e em outras, destacando pontos essenciais a esses direitos, o documento define as competências, numeradas de acordo com a sequência trazida pelo documento:

 

"1. Compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito à diferença em uma sociedade plural e promover os direitos humanos." 

(Brasil, 2018, p.357)

"4. Interpretar e expressar sentimentos, crenças e dúvidas com relação a si mesmo, aos outros e às diferentes culturas, com base nos instrumentos de investigação das Ciências Humanas, promovendo o acolhimento e a valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. "

(Brasil, 2018, p.357)

"6. Construir argumentos, com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, para negociar e defender ideias e opiniões que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental, exercitando a responsabilidade e o protagonismo voltados para o bem comum e a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva."

(Brasil, 2018, p.357)

 

A BNCC também atribui aos sistemas de ensino, as redes de ensino e escolas “incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora.” (Brasil, 2018, p.19). E, neste contexto em seu texto, cita, entre os documentos normativos e diretrizes para tal feito a:

"Educação ambiental (Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/201218), educação alimentar e nutricional (Lei nº 11.947/200919), processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso (Lei nº 10.741/200320), educação em direitos humanos (Decreto nº 7.037/2009, Parecer CNE/CP nº 8/2012 e Resolução CNE/CP nº 1/201221), educação das relações étnico-raciais e ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena (Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, Parecer CNE/CP nº 3/2004 e Resolução CNE/CP nº 1/200422), bem como saúde, vida familiar e social, educação para o consumo, educação financeira e fiscal, trabalho, ciência e tecnologia e diversidade cultural (Parecer CNE/CEB nº 11/2010 e Resolução CNE/CEB nº 7/201023)."

(Brasil, 2018, p.19)

Os pareceres citados referem-se em grande parte a temáticas essenciais dos direitos humanos, e, segundo o documento, devem ser integrados aos currículos de maneira contextualizada. A BNCC, destaca que para este fim, as seguintes observações em relação a abordagem dos assuntos curriculares nas ciências humanas no Ensino Fundamental - Anos Finais: “Nessa fase, as noções de temporalidade, espacialidade e diversidade são abordadas em uma perspectiva mais complexa, que deve levar em conta a perspectiva dos direitos humanos.” (Brasil, 2018, p.356).

Os direitos humanos são citados também diretamente nas habilidades específicas para a disciplina de história, desde o ensino fundamental anos iniciais:

5° ano: (EF05HI04) Associar a noção de cidadania com os princípios de respeito à diversidade, à pluralidade e aos direitos humanos.

(EF05HI05) Associar o conceito de cidadania à conquista de direitos dos povos e das sociedades, compreendendo-o como conquista histórica. 

E no Ensino Fundamental - Anos finais, para além dos temas “A Organização das Nações Unidas (ONU) e a questão dos Direitos Humanos”, também há citações nas habilidades. “(EF09HI16) Relacionar a Carta dos Direitos Humanos ao processo de afirmação dos direitos fundamentais e de defesa da dignidade humana, valorizando as instituições voltadas para a defesa desses direitos e para a identificação dos agentes responsáveis por sua violação.” “(EF09HI19) Identificar e compreender o processo que resultou na ditadura civil-militar no Brasil e discutir a emergência de questões relacionadas à memória e à justiça sobre os casos de violação dos direitos humanos.”

Após estas exposições, destacamos que, o documento estabelece uma extensa relação entre a educação e os direitos humanos, almejando cumprir dessa maneira com a própria proposta política do Estado Brasileiro, definida principalmente após o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2006), documento fundador dessa política, e das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, (Brasil, 2013), e os Programas Nacionais de Direitos Humanos. Porém, atualmente, percebemos através da atuação na docência, que estes planos, as metas estabelecidas e essa vinculação entre as normatizações e a prática escolar, estão muito distantes de suas metas. O documento ainda estabelece que os sistemas e redes de ensino são responsáveis por abordagens e a organização de currículos que dêem conta de todas as questões aqui levantadas, delegando a eles decisões importantes, Estas decisões, no caso da rede privada de ensino, passarão por questões ligadas a interesses diversos, inclusive da viabilidade de mercado. E, no caso da rede pública de ensino, de diversos e graves problemas já amplamente conhecidos.

 

A transversalidade dos direitos humanos exigiria uma grande mudanças em relação à instituição escolar, pois a EDH, está vinculada a todas as dimensões escolares, sejam questões pedagógicas, burocráticas, administrativas, epistemológicas, técnicas, e até mesmo a estrutura física inclusiva da escola. É claramente perceptível ainda, mesmo entre os especialistas das ciências humanas, o desconhecimento acerca dos problemas de se debater os direitos humanos, estando os docentes regulados normativamente, por conceitos e atribuições que demandam maior compreensão e debate. A maior parte dos projetos pedagógicos, os planejamentos de aulas, assim como as metodologias de ensino utilizadas em sala, nem sempre levam em conta a finalidade formativa do cidadão em sua integralidade, e em consideração a seus direitos. Outro desafio, é o fato de que, segundo essas normatizações, cada um dos passos e das metodologias aplicadas pelos professores em sala de aula, devem estar diretamente ligadas às competências gerais e específicas a serem desenvolvidas, e as diversas diretrizes que regulamentam estas normas, o que exige dos educadores, uma ampla e profunda revisão de suas práticas, e também de seus processos avaliativos, que precisam agora avaliar o desenvolvimento, para cada estudante, das competências e habilidades.

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